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“Em uma conversa íntima e aberta, no banheiro, para que ninguém os ouça, Laura diz para seu irmão. Pergunta, responde, supõe e cogita enquanto a noite cai.”
Com atuação de Cléo De Páris, Fábio Penna (presença subjetiva do irmão), texto de Marcio Tito e direção de Fabricio Castro, Laura Diz Para Seu Irmão será exibida no Festival Satyrianas, festival produzido pela cia Os Satyros que há 20 anos ocupa a Praça Roosevelt, faz em 2020 sua primeira edição digital, com mais de 400 atrações em 78 horas ininterruptas de programação gratuita. O tema escolhido, depois de um ano desafiador em que enfrentamos uma crise planetária é “Satyrianas 2020 – pra não dizer que não falaremos das flores”. dia 06 de dezembro, das 20h às 21h via videoconferência pela plataforma Sympla Streaming.
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Começo a entrevista com Cléo De Pàris, atriz brasileira, eterna Musa da companhia teatral Os Satyros, que há oito meses vem apresentando brilhantemente Desamparos. Suspiro poético exibido toda terça das 22h00 às 22h20 diretamente de Barão de Cotegipe para o Instagram e para o mundo.
Eunoteatro – Cléo, fale-nos um pouco sobre a personagem Laura, o que vocês têm em comum?
Cléo De Páris – Laura é uma mulher forte, intensa, dedicada ao amor. Ela também é pragmática e um tanto possessiva. Pode parecer, a priori, a descrição da maioria das mulheres que eu conheço. De mim mesma até, rs. Porque fiz uma descrição um pouco generalizada e vulgar. Porque todas as descrições breves são um pouco isso. A verdade é que vejo a Laura como uma mulher indescritível… é como se ela mais representasse uma gama de sentimentos e aflições. É muito fácil se identificar com as palavras, as emoções e a dor dela. É muito fácil sentir a Laura. Difícil é descrever. Eu tenho tudo em comum com ela.
Eunoteatro – Como foi a experiência de fazer ensaios online e ser dirigida a distância?
Cléo De Páris – É uma experiência forte, sem dúvida, mas esse trabalho já tinha um início. Apresentamos nas Satyrianas, ano passado, uma leitura encenada do texto, já com a direção do Fabricio Castro e com o Felipe Moretti fazendo o irmão. Porque é um solo, mas não é, o irmão só ouve, mas tem uma presença importantíssima. O Tito chama de “dueto para uma voz”. Acho lindo.
Além disso, tenho uma sintonia muito grande com o Fabricio, a gente se entende rápido, temos um jeito muito parecido de trabalhar e de ver a arte, então foi e está sendo muito prazeroso esse trabalho.
Bom, isso tudo facilitou bastante, creio. Já a experiência de fazer um trabalho à distância começando do nada eu não tive e acho que não terei nessa quarentena.
Eunoteatro – Você e Fábio Penna vem apresentando brilhantemente “Desamparos” ao longo de 8 meses, essa experiência fez diferença ao trazer “Laura Diz Para Seu Irmão” para o ambiente virtual?
Cléo De Páris – Sim! Bastante. Estamos entrando no nono mês de temporada ininterrupta de Desamparos, isso nos trouxe uma cumplicidade fenomenal! A gente se entende quase que por telepatia já! Rs. Resolvemos qualquer problema que surja na cena com um gesto, um olhar. Essa foi uma das razões pelas quais decidimos convidar o Penna pra fazer o Irmão agora. As outras razões são ele ser um grande ator e estarmos só eu e ele aqui, rsrs.
Eunoteatro – Como o próprio nome sugere, Laura diz algo para o irmão, agora queremos saber, o que Laura diz para você?
Cléo De Páris – Muita coisa… desde o início. Me parece que esse texto nasceu de uma vontade mútua, do Tito e minha.
Ele queria me ver em cena outra vez. A gente queria. Eu fiquei afastada dos palcos por uns 4 ou 5 anos. Depois de Justine. Quer dizer, totalmente afastada não, fiz Nosferatu na Virada Cultural de 2018, e nesse mesmo ano, nas Satyrianas, fiz Surtai e encenai, também do Tito, um trabalho belíssimo! Entre outras pequenas aparições.
Mas voltar e fincar o pé no palco só agora mesmo.
Incrivelmente, Desamparos também surge nesse período. Nunca imaginei que voltaria à cena com dois espetáculos e em meio a uma pandemia!
Laura diz para seu irmão será apresentada na Sala Lúcia Camargo, é tão especial! A Lúcia falava sempre que eu não podia fazer isso com o público, ficar longe do palco. E ela queria muito que eu fizesse um monólogo.
A volta do Irmão de Laura é também a minha volta pra casa, pro teatro, pra mim.
Eunoteatro – Na sua visão, qual a importância do Festival As Satyrianas?
Cléo De Páris – Artisticamente falando, no Brasil, não tem nada mais importante e potente que As Satyrianas. Eu nem entendo direito como eles conseguem fazer tudo isso acontecer e tão magnificamente. Sempre foi assim nos espaços físicos e agora, no virtual, está sendo a experiência mais forte dessa quarentena. Tem uma característica no grupo Os Satyros que me encanta: eles não conseguem se acomodar! Não procuram o conforto, tem sede de mudança. Eles não trouxeram o festival para o meio virtual, simplesmente. Criaram novos projetos, novas possibilidades no fazer teatral digital.
Ontem me emocionei muito na abertura, foi a abertura mais linda de Satyrianas que já vi. Quem diria que seria possível? Então eu celebro Os Satyros! O Ivam Cabral, o Rodolfo García Vázquez, o Gustavo Ferreira, o Silvio Eduardo, o Diego Ribeiro e aquele mar de gente louca e linda que faz essa mágica acontecer!
Sigo agora com Fábio Penna, câmera e presença subjetiva do irmão.
Eunoteatro – Como será sua participação em Laura Diz Para Seu Irmão?
Fábio Penna – Minha participação vai ser parecida com a que tenho nos Desamparos. Vou fazer a câmera, com a diferença que dessa vez a câmera é uma personagem. É a subjetiva do irmão. A câmera interage com a irmã (Cléo De Páris).
Eunoteatro – Sendo o Irmão uma personagem subjetiva, você precisou usar alguma tecnica/macarção diferente da que vem usando em Desamparos?
Fábio Penna – A diferença não tá na marcação, tá no ouvir como personagem. No Desamparos, eu acompanho a Cléo como se fosse a vontade do público. Como irmão, a gente troca, eu reajo às palavras dela. E nesse caso tem a famosa quarta parede.
Eunoteatro – Fábio, você está no “ar” em três trabalhos diferentes e ao mesmo tempo: Desamparos, A Arte de Encarar o Medo e agora fará Laura Diz Para Seu Irmão, isso sem falar nos cursos que ministra nos intervalos entre uma coisa e outra.
Como tem sido sua preparação para dar conta de tudo isso?
Fábio Penna – Oi Cíntia, felizmente eu trabalho com o que gosto. Confesso que tá bem puxado. Apesar da pandemia acho que nunca trabalhei tanto. Mas faço tudo com muito prazer. Amo contar histórias e ajudar a transformar pessoas em cidadãos melhores. Então, tempo a gente arruma (rs).
Eunoteatro – Pra você, qual a importância do Festival As Satyrianas?
Fábio Penna – A Satyrianas pra mim é um dos Festivais mais importantes de São Paulo e portanto do Brasil. Num país (infelizmente) tão escasso em educação e Cultura, dar oportunidade pra tanta gente assistir e fazer arte, é incrível! Isso pra mim é política que realmente transforma. Parabéns, Ivam Cabral, Rodolfo Garcia Vazquez, Gustavo Ferreira e a todos nós dos Satyros.
Continuamos com Fabricio Castro, diretor do espetáculo.
Eunoteatro – Como diretor, quais são os desafios de fazer a direção nesse novo formato online para o Satyrianas 2020?
Fabricio Castro – Coincidentemente, há um ano atrás fizemos uma leitura cênica do texto na Satyrianas 2019. A experiência com o áudio visual ajudou bastante.
Eunoteatro – Algo precisou ser modificado? Se, sim, o que mudou?
Fabricio Castro – Sim, primeiramente foi o espaço. Na Satyrianas 2019 fizemos em um palco aberto, sem quase nada de recurso cênico. Sem cenário, sem trilha.
E na peça, a história se passa em um banheiro. Aproveitamos agora para encenar em um banheiro real. Antes, tínhamos um ator interpretando o irmão da Laura, personagem da Cléo. Agora temos o Fábio Penna fazendo a fotografia e a câmera subjetiva do irmão está muito mais intimista.
Eunoteatro – Você acha que, por conta da pandemia, a produção em Teatro Digital será somente uma fase ou veio para ficar como mais uma opção cultural?
Fabricio Castro – Quanto mais opções de acesso tivermos para a cultura, melhor. O teatro digital é sim , mais uma opção. Além da acessibilidade, hoje eu tenho a possibilidade de ver uma peça on line de outros estados, esta troca de cultura é maravilhosa.
Eunoteatro – O que significa o Festival Satyrianas para você?
Fabricio Castro – Satyrianas para mim significa o nascimento de novas ideias, novas parcerias, novas possibilidades. Satyrianas para mim significa fertilidade.
Finalizamos com Marcio Tito, autor do texto, sobre sua dramaturgia em Laura Diz Para Seu Irmão.
Neste caso, pela obviedade da Cléo De Páris ser uma atriz extraordinariamente autoral, escrevi como quem vai construindo acessos e trampolins. A ignição da obra e toda a sua substância cênica, enquanto proposta, está inscrita no tamanho da confissão da Cléo enquanto artista. Todas as falas foram pensadas como o arquiteto pensa o degrau, e toda pausa foi organizada para catapultar as suas horas de falar baixo e os seus momentos para respirar fundo. A carpintaria do texto, dessa vez, de modo inédito, eu não seria capaz de repetir. Porque na verdade eu escrevi conversando com os espectros das obras passadas (com as coisas que senti enquanto assistia as suas peças de teatro, Cléo). Não falo amparado por fatos concretos, mas deponho agora com as minhas impressões acerca de trabalhos como Divinas Palavras, Liz, Roberto Zucco, Nosferatu, Nossa Gata Preta e Branca, Surtai e Encenai, Desamparos e o filme Hipóteses Para o Amor e a Verdade. Esse conjunto dissonante, unificado pela sua visceral forma de enxergar o mundo e a cena, foi o que trouxe a tônica dessa minha Laura. Irmão? Reencontro? São pretextos. Elencam apenas a rampa que eu pude escrever para buscar extrair algumas coisas indizíveis sobre a sua interpretação, Cléo. É o texto de um autor-espectador, tal qual de um artista que viu você criar, e pensou ter entendido o espaço que as atrizes e os atores abrem entre a cena, o artista e quem a vê. E eu pensei ter visto este espaço, e eu pensei que sei aonde colocar o trampolim. Laura diz para seu irmão é a minha suspeita. É a minha deflagração. Como se eu capturasse as qualidades que notei e recriasse os acasos em laboratório. Não sei se tem sido fácil para ela ensaiá-lo, pois não sei se essas coisas que capturei são completamente racionais ou mesmo se fazem sentido para ela enquanto criativa, mas tenho certeza de que assim que pronto, diante do público, “Laura Diz Para Seu Irmão” será um trabalho carregado de fricções e pequenos diálogos entre ela e eu. Entre o autor e a atriz. Entre espectador e estrela. Entre suspeitas e certezas. Entre a dramaturgia e a interpretação. Quero poder escrever sobre o Penna, sobre o Fabricio, sobre essa energia entretempos, porque cada um deles atravessa de modo marcante a história do teatro da minha vida. Mas, por enquanto, é isso o que sei. Finalmente verei de forma madura a resposta teatral da Cléo. E assim terei sabido se enxerguei a verdade ou se escrevi apenas um delírio. Eu quis escrever um texto qual ela pudesse montar e cavalgar adiante. Espero ter feito um bom cavalo.
Eunoteatro – Qual o significado do Festival “As Satyrianas” para você ?
Marcio Tito – Eu acho que “As Satyrianas”, evento lindo dos Satyros e de toda a classe, para além do caráter social, estético, artístico, popular e criativo, carregam uma outra coisa que reorganiza a dinâmica da cidade. Pessoas que não se viam há também, trabalhos que talvez eu não encontrasse na temporada, ali, na Praça tenho a chance de acessar.
Artistas que nunca foram parceiros, trabalhos que talvez não tivessem uma pauta, nas Satyrianas, tem aquele dia para encontrar o seu lugar ao sol. Enfim, é tudo isso! No centro da cidade! Então, acho que “As Satyrianas” têm também uma questão com as cidade com os afetos, né?
Uma questão de configurar as vias para onde eu vou e renovar o que eu encontro ali… lugares que passo diariamente, nessa hora, estão revisados e configurados com uma nova energia. Isso quando presencial, claro.
Agora, no formato online, acho que acontece a mesma coisa, mas na dinâmica do novo, dessa novidade forçada pela crise da saúde.
Há pessoas que não estariam falando disso e estão falando, compartilhando, curtindo, comentando e trazendo para suas bolhas sociais a cultura do teatro de grupo. Então eu acho que o que “As Satyrianas” faz é muito forte. É trazer um pouco dessa convulsão social das pessoas que agora têm o encontro como ponto de partida para uma nova percepção (tanto da integração quanto na distribuição de produtos culturais.)
Deixo meu agradecimento para este “Quarteto Fantástico” que gosto e admiro muito. Nós, do Eunoteatro, nos sentimos felizes por terem cedido um pouco do tempo de vocês em meio a correria do Festival, “As Satyrianas” , para essa nossa conversa.
Depois desse panorama incrível sobre “Laura Diz Para Seu Irmão”, não perca a única apresentação: Domingo 06 de Dezembro às 20h na plataforma Sympla Streaming.
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Elenco: Cléo De Páris
Câmera e presença subjetiva: Fábio Penna
Direção: Fabricio Castro
Texto: Marcio Tito
Arte: Diego Ribeiro