Giulia Miranda – Sobre “In On It”

Giulia Miranda – Sobre “In On It”

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Marcio Tito –

Modernizados por uma nova, renovada e implacável decisão do teatro perante a crise do meio, transmutados também seus debatedores e debatedoras tradicionais, tal qual todo universo que existe para orbitar as produções cênicas (dentro ou fora, dentro e fora dos palcos), nota-se um tempo de falas oportunamente inusitadas. 
Ao perguntarmos qual ou quais palcos, ato contínuo e significativo ao processo de pensarmos o lugar de onde se vê, quase a um só tempo em que refletimos a experiência de vermos, evocamos outras (novas e renovadas) narrativas: Quem fez, noticiou, arquivou ou debateu?
Se o teatro deste começo de século ganhou em alcance via telepresença, e se esta telepresença também cerca a unidade primeira do teatro (estarmos presentes ao mesmo tempo que o gesto), é dever também identificarmos quem está ou estará do outro lado da escuta. 
Ao vermos multiplicados os canais capazes de elaborar acerca das soluções do teatro, força do período ou não, vimos também crescidas as ofertas e a capacidade de promoção de um inusitado impacto – em nossas redes sociais expressamos, com maior ou menor forma, um comentário direto e prático sobre o que vimos. 
O teatro inscrito no digital, talvez com maior convite que o teatro tradicional, também transforma seu espectador em uma antena capaz de irradiar aquele produto cênico pensado (mesmo graficamente) para o tempo-espaço online.
Como poderíamos (críticos profissionais ou comunicadores) dar conta de cobrir tecnicamente toda a temporada – visto que agora somos atingidos por toda e qualquer temporada cujo fenômeno esteja inscrito no digital?
Foi preciso acionar um novo expediente. 
Multiplicar também as vozes e adequar seus olhares para, num projeto de ainda mantermos uma situação crítica-reflexiva constante, sob nova tutela intelectual, estabelecermos uma troca coerente com aqueles e aquelas que fazem a programação das artes no ciberespaço. 
Neste contexto, convidado para escrever sobre “In On It”, já cobrindo o presencial e parte do digital, sem poder realizar a pauta e absolutamente importado pela agenda da volta, junto ao “EuNoTeatro”, reorganizei o disparador da fala e pude conceber a pauta (quase como no teatro de então – escrevendo sem escrever, estando sem estar).
Surge Giulia, o texto abaixo, sua escrita participativa de atriz explícita no verbo que é acionado para pensar a obra. Como foi encontrada? Num comentário nas redes sociais do espetáculo sugerido. Convite feito via WhatsApp. Surgiu um texto que aponta para lugares que não estariam imediatamente apontados por autores ou autoras tradicionais. Uma fala que não olha para fora da obra e que, clareza da autora, elege o ímpeto da visão enquanto maior e melhor contato. Eis o sucesso de sermos. Sabermos estar. É preciso saber estar. Sem a necessidade de ser. Abrindo, abrindo, deixando ventar contra a fronteira da época. Renovando os acordos. Revisando relógios, lápides, maternidades ou a sucessão de “agoras” que promovem o instante. Assim que entendo o teatro, as artes, tudo o que cerca o que é criativo e demanda presença no tempo. 
Giulia Miranda escreveu para “In On It”. Demarcou tudo o que nos envolve. E este é o teatro que mais acredito: um teatro capaz de incluir o impossível.

Boa leitura!

Teaser Divulgação

Giulia Miranda

Assisti à obra “In on It”, com direção de Renata Gaspar e com os atores Luís Galves e Lucas Teixeira, inicialmente por ter me chamado a atenção a descrição de que seria uma peça audiovisual. Sou formada em cinema e artes cênicas, então, assim que soube que a peça misturaria cinema e teatro, já reservei meu ingresso, curiosa sobre como se daria essa fusão.
E o resultado foi o mais puro entusiasmo e surpresa, por todos os fatores que se seguem e ainda mais alguns que não vou enunciar totalmente para permitir ao espectador de primeira viagem se surpreender.
A peça é uma valsa que te leva para três momentos: o filme, o passado e os bastidores.
Estamos ali assistindo dois atores encenando dez papéis quando, de repente, eles param e discutem entre si o ensaio ou então viram para a platéia para contar curiosidades que só eles, os personagens, sabem.
Dessa forma somos levados a uma experiência muito diferente, multifacetada: assistimos ao enredo, vemos os bastidores e ainda descobrimos camadas mais profundas daquela história por escutar dos próprios personagens informações internas e segredos, como
pensamentos e intenções que só eles tinham e os levaram à cada ação.
A primeira vez que os personagens estavam em uma situação e pararam para discutir o ensaio as câmeras se mexeram, como que descansando de propósito, revelando a equipe atrás em suas funções, o que seria o primeiro de muitos momentos onde a platéia é surpreendida.
Uma das características mais excepcionais da peça junto a esses momentos também é, de longe, a brincadeira que fazem com a metalinguagem. Durante a apresentação foram várias as vezes em que os espectadores estavam imersos no jogo de cena dos atores, entregues à realidade cênica da situação quando um deles vira para a câmera e comenta com a plateia algo, como quem acende as luzes do cinema e nos faz lembrar de que era um filme.
Nesses momentos era comum dar um sorriso surpreso de quem se pegou desprevenido na narrativa, despertando junto com o personagem.
Mas o melhor de tudo foi quando, no fim da apresentação, no momento de conversa entre realizadores e espectadores, nos contam que foi tudo feito em um único plano sequência. É chocante que uma obra tão impecável tenha sido feita em uma tacada só. Geralmente em filmes são feitas diversas tomadas até que alguma seja considerada desejável. Imaginar que essa produção foi realizada em uma tomada só deixa o trabalho artístico ainda mais precioso e traz a experiência do teatro bem presente, onde tudo é feito do início ao fim sem pausas ou cortes.
Quanto à atuação de Luís Galves e Lucas Teixeira, foi realmente impressionante que tenham conseguido passar por dez personagens tão diferentes entre si com tamanha fluidez. Num piscar de olhos eles estão fazendo uma mulher, uma criança, um idoso, um médico e tantos outros, sem que a platéia nem por um segundo perca a fé cênica.
Eles se propõem a fazer uma criança e um adulto conversando e “bum”, lá estão eles, em frente aos nossos olhos. Em seguida, assumem os personagens de um casal e lá estão eles novamente, agora com toda a química e intimidade que minutos atrás era apenas a frieza de uma conversa entre outros dois personagens com relações completamente
diferentes.
Num desses momentos, temos um casal cara a cara, tão perto que mais um centímetro faria as bocas se encontrarem. Nós da plateia estamos atentos ao que vai acontecer, quando, num súbito, o personagem de Lucas Teixeira olha pra câmera e solta um “viu, a gente foi feliz algumas vezes”, frase que é respondida pelo outro personagem de Luís Galves por “não, algumas vezes a gente não tava triste”.
Esse tipo de brincadeira com a história e com o espectador torna a experiência imprevisível e empolgante, nos mantendo vidrados esperando o próximo acontecimento ou descoberta.
A linguagem escolhida conversa com essa dinamicidade da obra: temos planos que quebram o convencional mostrando de um jeito criativo os acontecimentos.
Feita na pandemia, a peça audiovisual acontece em uma só locação e com equipe reduzida. Mesmo assim, precisa retratar acontecimentos grandes e externos como uma batida de carro. Mas como fariam isso, nessas condições?
Simples: na sutileza de uma brincadeira de dedos, empurrando carrinhos de brinquedo, nasce diante de nossos olhos uma rua e estamos ansiosos vendo uma cena de batida se construir.
O som também ajuda muito na construção da atmosfera, erguendo no ar acontecimentos que não vemos diretamente na tela, como por exemplo, trazendo sons de pneus junto aos dedinhos brincando com os carros ou trazendo o som abafado de festa, ferramenta que preenche as lacunas impostas pela pandemia. Não havia festa, mas por meio do som, ouvíamos a sala cheia e lá estava ela, sentida pelos atores e passada pra nós, platéia.
“In on it” é uma peça imperdível. No momento final de conversa entre os presentes foi praticamente unânime: todos disseram que estavam ainda digerindo a experiência. E assim foi por dias.
É o tipo de obra que fica na memória e no coração, pelos momentos de surpresa, pela entrega dos atores, pela criatividade e capacidade de trazer à imersão.
Como atriz, cineasta e espectadora por fim a única coisa que resta dizer é o mais sincero “assista!”.

Serviço:

“In on It”
Direção de Renata Gaspar. Com Luís Galves e Lucas Teixeira.
Onde: no aplicativo Zoom. Ingressos via Sympla: https://linktr.ee/inonitonline
Quando: A partir de 15/8. Domingos e segundas, 20h30. 
Ingressos: R$ 20 (metade da renda será revertida para o projeto social Grande Ajuda). Ao final do espetáculo, haverá bate-papo com os atores e a diretora do projeto.
Texto: Daniel MacIvor. Tradução: Daniele Avila. Direção: Renata Gaspar. Interpretação: Luís Galves e Lucas Teixeira. Produção: Luís Galves. Assistente de produção: Claudia Braga.

Sobre os autores

Giulia Miranda:

Formação Grupo TAPA – Construção da fala do ator – Companhia do Nó de Teatro – 9 Anos na Cia de Teatro Stagio – Curso atuação para cinema Sergio Penna – Curso preparação casting Fátima Toledo – Curso de atuação para cinema e TV na Academia Internacional de Cinema – Curso tv teatro e dança Wolf Maya – Curso livre de atuação CAJUV

Siga Giulia Miranda no Instagram @giu_miranda

Marcio Tito:

Marcio Tito é dramaturgo e diretor teatral, além de editor e entrevistador no site Deus Ateu

Siga Marcio Tito e Deus Ateu no Instagram: @marciotitop @deus.ateu

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