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A nossa entrevista literária de hoje, é com o querido Luiz Campos, autor do livro que foi assunto da nossa conversa.
Lançado recentemente pela editora Paco, o livro: “Grupo Decisão – o grupo político teatral que estava entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina“, trás em seu conteúdo a recuperação de um importante coletivo teatral brasileiro que ficou esquecido durante muito tempo. Foi um grupo que estava entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina.
Luiz Campos, quando ainda pesquisava e recuperava grande parte da trajetória artística do ex-diretor teatral Antônio Ghigonetto, um grupo o chamou a atenção: Grupo Decisão. Com um número significativo de espetáculos num curto espaço de tempo (10 espetáculos no período de 1963-1967), em conjunto com algumas críticas e relatos potentes, Luiz Campos não demorou para perceber que se tratava de um grupo teatral na qual haviam raríssimos registros e estudos sobre ele, principalmente no que se concerne aos registros históricos sobre o Teatro Brasileiro e Paulistano. No mesmo ano que lança seu primeiro livro denominado Ghigonetto, um homem de teatro, pela editora Giostri, inicia então, pela Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), seus estudos de Mestrado em Teatro, afim de recuperar a trajetória deste grupo que tanto o intrigava.
Uma das figuras centrais deste grupo foi Antônio Abujamra, que trouxe para suas montagens pautas trabalhadoras, de conscientização de classes e que alertavam para o período pré e pós golpe civil militar de 1964.
Vamos a entrevista?
😉Aprecie sem moderação!
Eunoteatro- Luiz, quando surgiu e como surgiu a ideia de escrever sobre o “Grupo Decisão”?
Luiz Campos- Tudo começa na minha pesquisa anterior sobre Antonio Ghigonetto, que foi um ex-diretor teatral que trabalhei e que falece no meio de um processo de montagem nosso, na cidade de Santos. Nos bastidores, Ghigonetto me contava sobre outros artistas que tinha dirigido e trabalhado – Lima Duarte, Célia Helena, Dina Sfat, Barbara Heliodora, dentre outros. Seu falecimento, contou com poucas pessoas presentes e quando me mudei pra São Paulo – 03 anos depois -, e perguntava para outros artistas se conhecia o Ghigonetto, a resposta na maior parte das vezes era positiva, entretanto, ninguém sabia do seu falecimento. Isso tudo me intrigava demais, sobre toda nossa profissão e, sobretudo, de tantos sujeitos que estão à margem da memória teatral. Por não encontrar nenhuma informação sobre a carreira de Ghigonetto, decido no período da minha graduação em Teatro, fazer essa recuperação de toda trajetória artística de Antonio Ghigonetto. É exatamente no decorrer deste processo que esbarro com o Grupo Decisão, criado por Antonio Abujamra, Berta Zemel, Emílio Di Biasi, Lauro César Muniz, Sérgio Mamberti, Wolney de Assis e o próprio Antonio Ghigonetto e que foi extremamente significativo para a época de atuação. Durante e após finalizar essa pesquisa e realizar minha primeira publicação com o livro – Ghigonetto, um homem de teatro – , o Grupo Decisão já era uma outra inquietação para mim, pois havia percebido que os livros de história de teatro brasileiro e paulista, pouco ou nada citava o referido grupo. Sabemos que historicamente não só o teatro brasileiro, mas a história no geral, por muito tempo, mantivera a narrativa da classe dominante privilegiada e que perversamente e/ou calculadamente deixaram indivíduos à beira do esquecimento. Não é novidade saber que a capital paulista prevalece nas narrativas históricas do teatro, mas dentro desta centralidade existem sujeitos e coletivos que foram deixados à margem.
Eunoteatro- Apesar de perseguido pelo regime militar, o teatro cumpriu papel fundamental de resistência cultural à repressão e à falta de liberdade. Foi justamente na década de 1960 que o Brasil viu florescer um teatro compromissado com temas nacionais e que contestava a cada momento a ordem vigente. Para a turma jovem, que está nos lendo agora, nos fale um pouco sobre a importância do Grupo Decisão?
Luiz Campos- O Grupo Decisão servia como instrumento de luta, de denúncia e resistência daquele período através da sua arte. Tinha características que se assemelhavam tanto ao Teatro de Arena quanto ao Oficina. O coletivo surge um ano antes da ditadura civil-militar em nosso país (1963) e até o dia 31 de março, o Grupo Decisão montou 3 espetáculos prevendo o que estava por vir. Eram espetáculos de cunho épico brechtiano, ou seja, tinha como principal intuito a conscientização do seu público, causando distanciamento e estranhamento. O grupo também, por vezes, garantiu preços acessíveis, realizou seminários e encontros com a classe estudantil e operária, além de apresentações em espaços não convencionais como sindicatos. No período vigente da ditadura, por mais que as coisas estavam mais difíceis para nossa classe, o Grupo conseguiu aguentar firme até o ano de 1967. Suas apresentações, neste período da ditadura, não eram tão explicitas nas suas denúncias, mas a conscientização e resistência ainda permanecia de uma forma ou de outra. Uma história interessante e já conhecida foi a da montagem de Electra, dirigida por Antonio Abujamra. Antes do espetáculo integrantes do elenco lia um manifesto contra ao governo ao envio de tropas brasileiras à República Dominicana. O DOPS, vai atrás do autor do texto da peça, no caso Sófocles (nascido a 497 ou 496 a.C), como não acharam o autor levaram a atriz Isolda Cresta. É engraçado e podemos até fazer paralelos com os tempos atuais.
Eunoteatro- Perdemos recentemente um dos nomes mais importantes e engajados do nosso teatro, que foi Sérgio Mamberti. Qual foi a reação dele ao saber sobre o livro e como se deu a sua contribuição?
Luiz Campos- Tive sorte de ter o Serginho como amigo e parceiro ao meu lado neste trabalho. Quando ele ficou sabendo desta minha pesquisa, ficou empolgadíssimo e tudo o que eu precisei, com sua generosidade de sempre, ele me atendeu. Aliás, a maior parte dos documentos como fotos, notícias, críticas, relatos e entendimentos foram realizados com colaboração direta dele. Lauro César Muniz, também me cedeu uma conversa, mas foi Serginho Mamberti que me forneceu e rendeu mais material. O livro demorou para ser publicado porque estava combinado que ele faria o prefácio, nada mais justo. Mas com o advindo da pandemia e depois das suas complicações de saúde, isso não foi possível. Tinha que preserva-lo! Convivemos muito tempo juntos, foi uma amizade muito bonita e verdadeira. Durante a pesquisa, não podia ser diferente, foi na sua casa, inclusive, que fiz todo levantamento documental do seu acervo, para a belíssima biografia escrita em conjunto com Dirceu Alves com o Sesc SP – Sergio Mamberti: senhor do meu tempo. Infelizmente, nossos artistas, principalmente desta geração estão nos deixando. Precisamos aproveitar e valoriza-los.
Eunoteatro- O livro “Grupo Decisão – o grupo político teatral paulistano que estava entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina”, traz não só assunto sobre a criação do Grupo Decisão, mas também apresenta com detalhes a trajetória e possíveis indícios sobre o término deste coletivo. O que mais poderemos conferir acerca do grupo em seu livro?
Luiz Campos- Além do detalhamento da criação e trajetória do coletivo, o livro traz todas as fichas técnicas dos espetáculos, resumos, fotos inéditas, e trechos de entrevistas exclusivas e críticas. Para entendermos o contexto histórico que o grupo se insere, o livro traz também um panorama sucinto do período artístico teatral da capital paulista, que antecederam a criação do grupo, bem como por onde passou os artistas fundadores até a chegada no grupo. Algumas curiosidades interessantes como o ocorrido do DOPS ou inquietações do coletivo o leitor também irá encontrar.
Eunoteatro- Observando o quanto a cultura tem sofrido ultimamente, você acha que se o Grupo Decisão fosse criado nos dias de hoje, poderia ajudar a reverter essa situação?
Luiz Campos- Existem diversos “Grupo Decisão” por ai. Grupos teatrais compromissados para além do entretenimento, engajados com causas sociais, que assumem de que lado estão e pagam um preço por isso. O movimento de teatro de grupo em nossa cidade é fortíssimo e boa parte estão com montagens ou ações que estão do lado da classe trabalhadora, dos estudantes. Hoje, pelo levantamento feito recentemente pelo amigo e pesquisador Alexandre Mate junto com a SP Escola de Teatro, a grande São Paulo – como popularmente é conhecida -, possui mais de 400 coletivos teatrais. Certamente o Grupo Decisão teria uma contribuição fundamental se criado nos dias de hoje, entretanto, e parafraseando João Cabral de Melo Neto: “um galo sozinho não tece uma manhã”.
Eunoteatro- Creio que o Grupo Decisão tenha sido fundamental para que você não parasse com as pesquisas em prol da contribuição de uma recuperação de parte da história do teatro brasileiro, tanto é, que entrou esse ano em dois doutoramentos – pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) com orientação de Alexandre Mate e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com orientação de Rosângela Patriota. Sobre quem ou o que serão destinadas as suas novas pesquisas?
Luiz Campos- Agora é sobre Antônio Abujamra! Estou nessa loucura com um projeto audacioso de 2 doutorados, mas com muita ajuda e generosidade dos meus dois orientadores, Rosângela Patriota e Alexandre Mate. Os Projetos visam o desenvolvimento das práxis brechtianas desenvolvidas pelo Antônio Abujamra. Na Mackenzie o foco serão nas dramaturgias e pela UNESP nas estéticas dos espetáculos de direção de Abujamra. O diretor que foi amado e odiado, acredito que também foi deixado de lado perversamente. Não encontro nos livros de história do teatro brasileiro os créditos para Antônio Abujamra por trazer as teorias e práticas de Bertolt Brecht no Brasil.
Eunoteatro- Antes da sua formação em Artes Cênicas, você teve uma formação prática pelos teatros de grupo e continua atuante nos palcos como ator e diretor pela Cia. Los Puercos . As pesquisas sobre personalidades e feitos históricos do nosso teatro, é algo que permeia seus pensamentos há mais tempo ou se trata de um interesse despertado mais recentemente?
Luiz Campos- Como eu disse na primeira questão, foi algo que foi fomentado por muitos anos. Estou, em paralelo com a minha carreira de direção e atuação, na luta de pesquisar e registrar sobre os artistas e grupos que foram esquecidos. Muita gente irá/quer falar sobre a Fernanda Montenegro, Miguel Falabella, Lima Duarte… Mas quem quer ou irá falar dos sujeitos que fazem realmente a engrenagem do teatro girar? O teatro sobrevive fundamentalmente por conta destes artistas, operários do teatro. Penso que se eu não fizer quem irá fazer? Preciso fazer as coisas que acredito! Então, sigo neste trabalho de formiguinha, junto com outras formiguinhas.
Eunoteatro- Luiz, adorei essa nossa conversa sobre o seu Livro, desejo para você muito sucesso e que venham muitos outros. Seja muito bem vindo ao @eunoteatro e até a próxima!
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Sobre o autor:
Luiz Campos é Integrante da Cia. Los Puercos .Professor de Artes Cênicas nível técnico SENAC-SP / Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) / Doutorando em Artes Cênicas pelo Instituto de Artes da UNESP / Doutorando em Educação, Arte e História da Cultura pela MACKENZIE.
Siga Luiz Campos no Instagram: @luizzcampos
Entrevista por: Cíntia Duque
PARABÉNS LUIZ CAMPOS PELO ÓTIMO TRABALHO O TEATRO AGRADECE!